Aqui no Coworking Brasil volta e meia a gente fica sabendo de histórias bizarras que acontecem dentro de espaços de coworking. A base do nosso mercado é ser aberto e confiar no próximo, essa é a parte mais bacana do nosso segmento. Porém, a medida que espaços de coworking começaram a ficar popular, eles também chamam a atenção de quem não está em busca da cultura coworking.

Já vi desde “malotes em formato de tijolo e com cheiro engraçado” chegando na recepção do espaço, até a Polícia Federal invadindo coworking atrás de empresa de fachada. E até você explicar o que o seu negócio realmente faz, sempre gera um atrito.

Pensando nisso a gente convidou o Rodrigo Reis pra começar uma coluna mensal aqui no blog pra falar sobre a parte legal e burocrática do negócio. Vamos discutir formas dos espaços se protegerem legalmente das atividades nem sempre lícitas dos seus coworkers. Pega a pipoca e acompanha o primeiro conteúdo do Rodrigo:

Você sabe o que é Compliance e como ele pode ajudar o seu Coworking?

A essência do Compliance é o combate à corrupção. No Brasil, é uma terminologia relativamente nova que ganhou força após a edição da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), porém já existe nos Estados Unidos desde a virada do século XX com o criação das primeiras agências reguladoras, em especial a FDA (Food and Drug Act).

Na prática, no entanto, vai muito além de combate a corrupção. Trata-se de uma poderosa ferramenta de gestão que promete, se bem implementada, diminuir e até mesmo mitigar os riscos inerentes a qualquer negócio, independente do seu mercado ou tamanho. E quando você fala de coworking, um negócio que é fundamentalmente construído em conjunto com outras pessoas, outras empresas, com os mais diferentes históricos e objetivos, construir algum mecanismo de proteção é fundamental.

Muito se engana quem pensa que este tipo de pensamento é só para multinacionais, empresas de grande porte, bancos e mercados regulados no geral. Criou-se uma mística de que implementá-lo requer um grande investimento, que por sua vez só pode ser suportados pelos “grandes”. Ledo engano.

Não! Qualquer negócio que tenha riscos, ( e todo o negócio possui riscos, por mais simples e pequeno que seja) comporta a implementação do sistema. Para os Coworkings não é diferente.

Os riscos inerentes às atividades do espaço compartilhado estão presentes no dia a dia e podem ser controlados. Desde a criação de um Código de Ética/Conduta para funcionários e coworkers, até procedimentos escritos para análise de documentos (em especial os contratos), treinamentos, prospecção de clientes, investigação interna e canal de denúncia.

Pense que qualquer procedimento interno dentro do Coworking pode gerar um risco. Às vezes esse risco é suportável e outras podem colocar a prova a subsistência do próprio negócio.

Risco aceitável X risco irresponsável.

Podemos tomar por exemplo como risco aceitável dentro do empreendimento Coworking a relação da sua empresa com um fornecedor de material de escritório, desde que ele não seja exclusivo. Ora, se porventura esse fornecedor não estiver em conformidade com as leis e as regras de Ética e Iintegridade, dificilmente impactará negativamente no seu empreendimento, pois há no mercado centenas de fornecedores, e quase sempre eles fornecem para diversas pessoas e empresas, ou seja, ele não estará vinculado diretamente com o seu negócio a ponto de trazer prejuízos reputacionais ou de responsabilidade civil solidária.

De outro modo, podemos trazer como exemplo de risco com alto impacto negativo, o caso de um coworker exercer alguma atividade ilegal no ambiente do coworking. Um modo de prevenir este risco é formalizar sólidas cláusulas contratuais com obrigações de não fazer, conhecer previamente as atividades que o coworker desempenhará no espaço compartilhado, isso pode ser feito através de um simples questionário em forma de declaração das atividades.

Por fim, poderá ser criado um procedimento de feedback com os coworkers através de reuniões periódicas ou até mesmo um questionário, oportunidade que o founder poderá se inteirar melhor das atividades que estão sendo desenvolvidas dentro do seu espaço.

O compliance na prática

Sabe aquele impasse na hora de fornecer um endereço fiscal para um terceiro? O Sistema de Compliance pode te proteger. Basta criar procedimentos sólidos para averiguação do terceiro/cliente (Due Diligence).

Você pode antes de formalizar o contrato com o coworker, obter algumas certidões negativas fiscais, cíveis e criminais nos órgãos competentes tais como Secretaria da Fazenda Estadual, Receita Federal, Municípios, Poder Judiciário. A emissão dessas certidões costumam ser gratuitas e podem ser obtidas quase sempre pela internet nos sites dos respectivos órgãos.

Você pode antes de formalizar o contrato com o coworker, obter algumas certidões negativas fiscais, cíveis e criminais nos órgãos competentes […]

Outra ação preventiva pode ser a investigação do posicionamento da empresa no mercado para aferir sobre a sua reputação e até mesmo sua real existência. Além disso, estamos em 2020, toda empresa de respeito possui uma conta nas mídias sociais. Normalmente uma simples análise do conteúdo que eles produzem pode te dizer muito sobre como eles pensam.

Por último, o questionário é sempre bem-vindo. Criar um formulário simples para colher informações como CPF, RG, nome completo, telefone, e-mail, redes sociais dos sócios (lembre-se que empresas são feitas de pessoas), CNPJ da empresa, nome da razão social, tipo de atividade que a empresa desenvolverá no seu espaço e cópia do contrato social. São bons exemplos que servirão como base de dados para fins investigativos se um dia necessário. É uma solução barata e eficaz.

A LGPD vem aí.

E por falar em dados, como você está tratando os dados dos seus coworkers? E a preparação para a implementação da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) que deverá entrar em vigor em 15/08/2020 ? Você já está se preocupando com isso? Conhece as multas por vazamentos de dados? Sabe como proteger os dados dos seus clientes?

O tratamento de dados, principalmente os dados sensíveis deverá ser feito de forma criteriosa, onde você terá que informar claramente para o seu cliente como e para que fins utilizará os dados, como e onde serão armazenados e/ou descartados.

Prevenir não é melhor que remediar?

As pessoas costumam dizer que Compliance é uma coisa cara e para poucos. No entanto, você sabe quanto custa não estar em conformidade? Seguem alguns exemplos:

“Um levantamento realizado em todas as capitais pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) revela que o recebimento de cheques falsificados ou roubados (33%) e as transações feitas com cartões de créditos clonados (25%) foram os tipos de fraudes mais sofridos por micro e pequenos empresários ao longo de 2018. No total, 11% das micro e pequenas empresas no país tiveram algum prejuízo financeiro no último ano em virtude de golpes praticados por estelionatários”.
Fonte.

A prevenção de fraudes contra o seu negócio deve ser uma preocupação desde o dia 1 de qualquer empresário, afinal a fraude é um risco que impacta negativamente qualquer empreendimento.

“Na lista das 58 empresas listadas no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP) disponibilizada no Portal da Transparência do governo federal, 19 são enquadradas como microempresas, e nove como empresas de pequeno porte; juntas, essas duas categorias representam quase metade do total de empreendimentos penalizados”.
Fonte.

O CNEP é uma espécie de “serasa” ou cadastro negativo de empresas, onde são colocadas as empresas que após investigação, foram constatados atos de corrupção com a consequente punição administrativa através de aplicação de pesadas multas.

“Via Varejo investiga fraude em balanços após denúncia, ações chegam a cair 9% mas fecham em baixa de 1%”
Fonte.

Os exemplos acima trazem casos onde a não conformidade trouxe prejuízos financeiros às empresas, demonstrando que os modelos de Sistema de Integridade foram ineficientes ou inexistentes. Quando pensamos no negócio Coworking, podemos trazer outras tantas hipóteses de riscos capazes de impactar negativamente o negócio, como assédios, problemas trabalhistas, compartilhamento de dados, responsabilidade civil por conduta de terceiro, entre outros.

Então, a provocação que fica é: para que esperar pela concretização dos riscos se podemos preveni-los e tomar ações para que esses riscos não se tornem impactos negativos para a nossa empresa?

Enfim, o conceito raso e reducionista de Compliance seria simplesmente cumprir as regras, tanto as internas como as do ordenamento legal vigente. No entanto estar em conformidade vai muito além, afinal cumprir as regras e normas legais, é o básico, sendo que deveria ser a obrigação de todos aqueles que desejam contribuir para uma sociedade ética e sólida, independentemente da imposição de qualquer sistema de gestão.

Porém, apenas seguir as regras é muito pouco. O conceito envolve muito mais, trata-se de uma cultura que deve ser desenvolvida desde o dono da empresa até a posição mais júnior que houver na organização, não importando se o empreendimento tem dez mil ou dois funcionários.

Por onde começar

O certo mesmo é que não existe fórmula mágica ou “modelo” pronto no Google, aliás até pode ter, mas certamente não servirá para a sua empresa.

Cada empreendimento, cada negócio, tem uma complexidade única, com valores éticos, missão e procedimentos distintos com suas particularidades e que merecem um estudo próprio, único e sob medida para atender as suas demandas e o seu público.

Por fim, estar alinhado à Ética e a Conformidade antes de tudo é um estado de espírito que a empresa deve alcançar, é o comprometimento de cada colaborador e não só daquele responsável pela implementação e desenvolvimento do Sistema, é a busca constante da ética empresarial como forma de perpetuar o negócio de forma sustentável diante a sociedade a qual está inserida.

Para começar um Sistema de Compliance, a primeira regra é estar engajado e verdadeiramente comprometido com a ideia de ser ético e transparente nas relação com o seu público. E uma vez estando engajado, comece por elaborar o seu código de ética e de conduta, pois este documento será o DNA da sua empresa.

E se quiser saber mais, segue alguns sites com materiais muito bacana e que podem te ajudar a entender melhor esse tema tão importante e necessário para a mudança de cultura quanto às boas práticas empresariais.

Rodrigo Reis Gonçalves é advogado devidamente inscrito na OAB/RS nº 78.659, graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela ULBRA, Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal Faculdade IDC e Pós-graduado em Compliance pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/RS, atuando há quase dez anos na advocacia privada, especificamente na área penal e empresarial.