Coworking para founders: Acessibilidade e a importância da inclusão em espaços compartilhados
Espaços de trabalho podem – e devem – ser mais inclusivos e humanos. Veja neste artigo algumas iniciativas nessa área.
Este artigo foi escrito por
Roberta Lemes .
Imagine que você foi chamado para uma reunião com um cliente que está na cidade de passagem. Ele marcou o encontro em um conhecido coworking próximo da sua casa. Que beleza! Mas chegando lá… há um muro enorme e o portão está cadeado. Você não tem como entrar. Pode ver o pessoal pelas janelas de vidro trabalhando, mas não tem acesso.
Parece alguém contando um sonho estranho ou uma história da carochinha, não é mesmo? Mas esse é um fato corriqueiro na vida de quem tem alguma deficiência no Brasil. Especialmente quando se fala em espaços compartilhados de trabalho.
Claro, não literalmente, com muros e cadeados, mas com coisas bem mais simples, que poderiam ser facilmente adaptadas e não são, como um elevador ou uma porta mais ampla.
Já tentei trabalhar em um espaço, mas a falta de banheiro adaptado tornou inviável
O analista de TI Leonel Saraiva Rocha sabe bem o que isso significa. Cadeirante desde 2015, já passou sufoco para entrar em um coworking de Porto Alegre, onde mora. “Na chegada havia uma escada, nada de rampa, além de uma calçada completamente esburacada que dificultou muito minha vida”, conta, acrescentando mais uma experiência frustrada. “Também já tentei trabalhar em um espaço conhecido na cidade, mas a falta de banheiro adaptado tornou a tarefa inviável.”
Os números do Brasil e no mundo
No mundo, há 1 bilhão de pessoas com alguma deficiência, ou seja, 1 em cada 7 indivíduos, de acordo com o relatório da Organização Mundial da Saúde de 2010.
No Brasil, conforme o Censo 2010, há 45,6 milhões de pessoas com deficiência das mais variadas — cerca de 24% da população. Nesse montante, estão contabilizados indivíduos que responderam ter desde a mais leve deficiência, como dificuldade de ver e ouvir, às mais severas.
Já dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coletados no ano passado, apontam que o percentual de pessoas com deficiências que causam muita dificuldade ou total incapacidade fica em torno de 6,7%.
57% dos coworkings brasileiros declaram-se acessíveis a cadeirantes
Em espaços compartilhados de trabalho registrados, segundo o levantamento do Censo Coworking Brasil 2018, 57% deles se declararam ser acessíveis a cadeirantes. No entanto, acessibilidade vai muito além de ter uma rampa. Afinal, as deficiências são diversas, físicas e intelectuais. Então, é de se pensar se esses locais são mesmo tão acessíveis quanto imaginam.
De qualquer maneira, há aí um grupo gigantesco que, na maioria das vezes, é esquecido ou negligenciado em diversos ambientes, públicos e privados. E é preciso encontrar soluções efetivas para atendê-lo.
Convidar para o baile e tirar para dançar
Em Belo Horizonte, Minas Gerais, o MM Coworking tem uma proposta de trabalho bastante inclusiva. Além de estar localizado em um condomínio com facilidades para pessoas com dificuldades de mobilidade, tem treinado seus funcionários para que se comuniquem na Língua Brasileira de Sinais.
Semanalmente a equipe tem aulas com um professor de Libras para que possa se comunicar com clientes surdos. “Nosso objetivo é estarmos preparados para atender quem quer que seja, pois acreditamos que, quanto mais acessibilidade, melhor o mundo fica”, diz o fundador do espaço, o consultor socioambiental Maurício Martins.
Aula de Libras no MM Coworking, de Belo Horizonte
Para ele, facilitar o acesso é uma questão de qualidade de vida, a que todos têm direito. Tanto que busca ser diverso também na contratação de pessoal. A recepcionista Isabella Waisman, por exemplo, tem Síndrome de Down. Ela também está sendo treinada em Libras e pode compartilhar sua experiência. “Depois que comecei a trabalhar, amadureci, sou mais feliz e desenvolvi muitas habilidades”, conta.
De fato, quando o acesso aos espaços, e ao mercado de trabalho, é garantido, há ganhos para todas as partes. E um universo amplo de possibilidades.
“Nosso time passou por um treinamento com especialistas em inclusão, e os coworkers assistiram a uma palestra sobre como lidar com esse tipo de deficiência”, explica Maurício. “Gosto de dizer que ‘inserção’ é convidar para o baile e ‘inclusão’ é tirar para dançar. Nosso próximo passo é pensar em soluções para deficientes visuais”, promete.
Quanto mais as pessoas falarem, melhor!
A jornalista Lelei Teixeira vem falando sobre acessibilidade durante praticamente toda a sua vida. Autora do blog “Isso não é comum”, ela tem nanismo e, na
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Lelei Teixeira, jornalista
escrita, aborda mitos e preconceitos sobre o assunto. Nas poucas vezes que experimentou coworkings, não se sentiu plenamente atendida.
“Os espaços não são adaptados. De um modo geral, ninguém pensa em acessibilidade e inclusão nos locais de trabalho”, opina com propriedade. “As pessoas não estão preparadas para conviver com quem tem uma deficiência. Não sabem o que fazer e, muitas vezes, as pessoas com deficiência também não reivindicam melhores condições, tentam se adaptar de alguma maneira.”
No entanto, ela vê na lacuna uma oportunidade. E a ferramenta para qualquer evolução nesse sentido é simples: o diálogo. “A fala resolve muita coisa. Não ter medo de perguntar, abordar as questões da deficiência. Sabe aquele ditado ‘conversando a gente se entende’? É bem assim. Se não tivermos medo de tratar disso, é possível resolver problemas de forma mais fácil”, ensina.
Os projetos precisam nascer acessíveis
A troca de ideias parece ser a chave para que se avance nas questões de acessibilidade em espaços compartilhados de trabalho. Nessa conversa, é preciso envolver ainda mais gente, desde a construção ou reforma do local.
Além da participação efetiva de pessoas com deficiências, para nortear a demanda, o trabalho do arquiteto é fundamental no processo. “A solução para a inclusão está majoritariamente ligada à decisão de projeto”, afirma a arquiteta Bianca Russo. “Os profissionais precisam partir de premissas de acessibilidade desde os anteprojetos para que o resultado final seja de qualidade. O projeto precisa nascer acessível.”
Mas é caro criar ou tornar um espaço acessível?
Não necessariamente. No país há regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que orientam todos os procedimentos que envolvem a acessibilidade, e as novas tecnologias de materiais podem agregar valor a alguns itens. Porém, na maioria das vezes, bom senso e criatividade são os principais ingredientes para projetar.
A inclusão começa na construção ou reforma do ambiente
“Pensar em tampos de mesa com altura adequada e sem obstáculos embaixo para a cadeira de rodas, por exemplo, soluciona uma questão importante sem agregar custos e respeitando o usuário”, esclarece Bianca.
O tema acessibilidade precisa estar sempre presente nas discussões sobre a estrutura dos coworkings. Isso porque é urgente que esses locais, oásis de um novo modelo de trabalho em todo o mundo, se adaptem e estejam preparados para receber também pessoas com as mais variadas deficiências. Afinal, projetos tão alinhados com o que há de moderno nas relações empregatícias não podem pecar pela falta de inclusão.
“Os espaços de coworking precisam estar abertos para pensar na acessibilidade para quem tem nanismo, para cadeirantes, cegos, pessoas de muleta, para pessoas idosas, etc. Tenho certeza que só vão ganhar com isso. É reconfortante chegar em um lugar e sentir que ali alguém pensa na inclusão de todos”, reforça a jornalista Lelei.
Como pensar um ambiente com acessibilidade?
Objetivamente falando, para montar um espaço que dê acesso a todos, é preciso pensar no cliente ou funcionário desde a porta de entrada, em pequenos detalhes.
De acordo com um comunicado recente da The Conference Board, uma organização canadense de pesquisa aplicada e capacitação de RH, quem gere espaços de trabalho deve partir de uma abordagem holística do design universal para tornar o local melhor para todos.
Veja quais são as quatro principais premissas desse modelo:
Adotar uma abordagem centrada no ser humano
O design universal considera o conjunto de características diversas entre todos os usuários que irão interagir e se envolver no espaço.
Ir além da segurança para acessibilidade
Embora os códigos de construção forneçam padrões básicos de segurança, a maioria não leva em conta a gama de necessidades que surgem das diferenças. O design universal vai além da segurança para considerar os elementos de design que permitirão a participação plena com base em um espectro de habilidades e necessidades humanas.
Maximizar a experiência do usuário
O design universal não é uma lista de especificações padrão. Pelo contrário, é uma abordagem que maximiza as experiências de todos os usuários. Quaisquer recursos de design que melhorem o acesso ou o uso de algumas pessoas não devem impedir ou diminuir a experiência do usuário para outras pessoas.
Esforçar-se pela inclusão
O design universal se esforça para tornar prédios, instalações e ferramentas mais socialmente inclusivos e fáceis de usar.
Coworking com acessibilidade na prática
Mas, para quem quer soluções mais imediatas para adaptar um ambiente compartilhado de trabalho, algumas dicas pontuais podem ser preciosas e muito fáceis de serem seguidas. Confira o que pode ser feito para garantir o acesso de diferentes deficiências:
Deficiência física
- Instalar rampas permanentes ou usar rampas temporárias.
- Instalar elevadores com comando de voz.
- Alargar portas para acomodar cadeiras de rodas, motonetas e ajudantes.
- Ajustar portas para que sejam fáceis de abrir ou para que abram automaticamente.
- Oferecer mesas com tampo mais alto para cadeira de rodas
- Evitar obstáculos embaixo de mesas.
- Projetar equipamentos com alturas variáveis.
- Instalar corrimãos e outros auxiliares estabilizadores.
- Oferecer vagas de estacionamento que atendam aos requisitos mínimos de tamanho e dimensões.
- Fornecer banheiros adaptados.
Deficiência visual
- Projetar áreas de escritório simples e de plano aberto que sejam leves e espaçosas.
- Usar pisos táteis.
- Escolher luzes de ambiente que possam ser ajustadas.
- Usar fontes grandes em placas e pôsteres
- Oferecer software de computador acessível.
- Usar alertas de áudio em elevadores e em escadas rolantes.
- Fornecer materiais de impressão em braile e fonte grande.
Deficiência auditiva
- Incluir legendas em vídeos e outras formas de mídia.
- Capacitar ao menos um funcionário da equipe em Libras.
- Instalar alarmes de incêndios que emitam luz.
Deficiência cognitiva
- Oferecer software acessível.
- Usar linguagem simples e clara nas comunicações.
- Permitir que as pessoas tenham tempo extra para completar suas tarefas.
- Oferecer equipamentos variados que facilitem o trabalho, como máquinas de ditado, sobreposições coloridas e canetas inteligentes.
Para finalizar, quer um bom exemplo de como as grandes empresas estão encarando o assunto? Leia o texto sobre as mudanças que a Google projetou em seus escritórios a partir da experiência de um de seus funcionários.