Imagine que você foi chamado para uma reunião com um cliente que está na cidade de passagem. Ele marcou o encontro em um conhecido coworking próximo da sua casa. Que beleza! Mas chegando lá… há um muro enorme e o portão está cadeado. Você não tem como entrar. Pode ver o pessoal pelas janelas de vidro trabalhando, mas não tem acesso.

Parece alguém contando um sonho estranho ou uma história da carochinha, não é mesmo? Mas esse é um fato corriqueiro na vida de quem tem alguma deficiência no Brasil. Especialmente quando se fala em espaços compartilhados de trabalho.

Claro, não literalmente, com muros e cadeados, mas com coisas bem mais simples, que poderiam ser facilmente adaptadas e não são, como um elevador ou uma porta mais ampla.

Já tentei trabalhar em um espaço, mas a falta de banheiro adaptado tornou inviável

O analista de TI Leonel Saraiva Rocha sabe bem o que isso significa. Cadeirante desde 2015, já passou sufoco para entrar em um coworking de Porto Alegre, onde mora. “Na chegada havia uma escada, nada de rampa, além de uma calçada completamente esburacada que dificultou muito minha vida”, conta, acrescentando mais uma experiência frustrada. “Também já tentei trabalhar em um espaço conhecido na cidade, mas a falta de banheiro adaptado tornou a tarefa inviável.”

Os números do Brasil e no mundo

No mundo, há 1 bilhão de pessoas com alguma deficiência, ou seja, 1 em cada 7 indivíduos, de acordo com o relatório da Organização Mundial da Saúde de 2010.

No Brasil, conforme o Censo 2010, há 45,6 milhões de pessoas com deficiência das mais variadas — cerca de 24% da população. Nesse montante, estão contabilizados indivíduos que responderam ter desde a mais leve deficiência, como dificuldade de ver e ouvir, às mais severas.

dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coletados no ano passado, apontam que o percentual de pessoas com deficiências que causam muita dificuldade ou total incapacidade fica em torno de 6,7%.

57% dos coworkings brasileiros declaram-se acessíveis a cadeirantes

Em espaços compartilhados de trabalho registrados, segundo o levantamento do Censo Coworking Brasil 2018, 57% deles se declararam ser acessíveis a cadeirantes. No entanto, acessibilidade vai muito além de ter uma rampa. Afinal, as deficiências são diversas, físicas e intelectuais. Então, é de se pensar se esses locais são mesmo tão acessíveis quanto imaginam.

De qualquer maneira, há aí um grupo gigantesco que, na maioria das vezes, é esquecido ou negligenciado em diversos ambientes, públicos e privados. E é preciso encontrar soluções efetivas para atendê-lo.

Convidar para o baile e tirar para dançar

Em Belo Horizonte, Minas Gerais, o MM Coworking tem uma proposta de trabalho bastante inclusiva. Além de estar localizado em um condomínio com facilidades para pessoas com dificuldades de mobilidade, tem treinado seus funcionários para que se comuniquem na Língua Brasileira de Sinais.

Semanalmente a equipe tem aulas com um professor de Libras para que possa se comunicar com clientes surdos. “Nosso objetivo é estarmos preparados para atender quem quer que seja, pois acreditamos que, quanto mais acessibilidade, melhor o mundo fica”, diz o fundador do espaço, o consultor socioambiental Maurício Martins.

Aula de Libras no MM Coworking, de Belo Horizonte

Para ele, facilitar o acesso é uma questão de qualidade de vida, a que todos têm direito. Tanto que busca ser diverso também na contratação de pessoal. A recepcionista Isabella Waisman, por exemplo, tem Síndrome de Down. Ela também está sendo treinada em Libras e pode compartilhar sua experiência. “Depois que comecei a trabalhar, amadureci, sou mais feliz e desenvolvi muitas habilidades”, conta.

De fato, quando o acesso aos espaços, e ao mercado de trabalho, é garantido, há ganhos para todas as partes. E um universo amplo de possibilidades.

“Nosso time passou por um treinamento com especialistas em inclusão, e os coworkers assistiram a uma palestra sobre como lidar com esse tipo de deficiência”, explica Maurício. “Gosto de dizer que ‘inserção’ é convidar para o baile e ‘inclusão’ é tirar para dançar. Nosso próximo passo é pensar em soluções para deficientes visuais”, promete.

Quanto mais as pessoas falarem, melhor!

A jornalista Lelei Teixeira vem falando sobre acessibilidade durante praticamente toda a sua vida. Autora do blog “Isso não é comum”, ela tem nanismo e, na

Lelei Teixeira, jornalista
escrita, aborda mitos e preconceitos sobre o assunto. Nas poucas vezes que experimentou coworkings, não se sentiu plenamente atendida.