Coworking everywhere
Uma reflexão sobre a expansão de espaços de coworking nos formatos mais malucos que tenho visto.
Este artigo foi escrito por
Fernando Aguirre.
O ano de 2019 foi super interessante pro mercado de coworking ao redor do mundo. Eu vi dezenas de iniciativas diferentes, experimentais e até um pouco bizarras. Com a migração de serviços e produtos do dia a dia cada vez mais pro digital, ano após ano vemos indústrias se deparando com assets imobiliários sem utilidade nenhuma. Some a isso um desaquecimento do mercado imobiliário em si, e temos a receita pronta para um monte imóveis de alto valor parados.
Pare pra pensar: quando foi a última vez que você foi ao banco pessoalmente? Faz tempo, né? Agora olhe pela janela, quantas agências bancárias enfileiradas lado a lado você está vendo? Huum, essa conta não fecha.
Mesma coisa em outras áreas. Aplicativos de delivery entregam de tudo hoje em dia. Das compras do mercado até o remédio do vovô. E você até pode argumentar: “Ah, mas eu adoro ir ao mercado, nunca vou deixar de ir”. Perfeito, mas o seu filho gosta? O seu sobrinho conhece mais restaurantes físicos ou pelo Uber Eats?
As novas gerações estão nascendo com tudo on demand. Precisa de algo, abra o app e solicite. Em alguns minutos bate à sua porta. Agora pense mais longe. Pense em impressoras 3D, que vão literalmente produzir uma geladeira sob demanda em alguns anos. Ou pense no Uber, nos carros autônomos e na real necessidade de ter uma garagem em casa em 2030.
Notou como cada vez mais espaços físicos super valorizados como o banco da esquina, o mercadinho da avenida e o edifício-garagem do fim da rua tendem a deixar de ser necessários? O que nós vamos fazer com todo esse espaço extra?
Eu certamente não sei a resposta, mas existe uma corrente de pessoas que vem apostando em uma coisa: coworking! Exato, isso que você leu. E algumas experiências já começaram a rodar.
Em São Paulo o Santander abriu um espaço de coworking dentro de uma antiga agência, e, pensando friamente, faz sentido. Os caras têm um monte de imóveis lindos, bem localizados, com toda infraestrutura pronta, que ninguém mais visita. Se você abre esse local para profissionais e pequenas empresas começarem a frequentar, é uma nova vida pra um asset que só gerava custo. E um bônus: o que toda pequena empresa tem em comum? A resposta é simples: uma conta PJ. 🙂
Quer um exemplo mais ousado? Em Lisboa existe uma rede de mercados de bairro chamada Auchan. Alguns meses atrás eles pegaram uma de suas unidades, em uma importante avenida da cidade, e colocaram um coworking no andar de cima. É um espaço pequeno, para cerca de 25 pessoas simultâneas, que está sempre cheio. Eu já visitei lá algumas vezes e é bem simples. Tem uma grande mesa compartilhada, duas pequenas “salinhas de reuniões” e um espaço com máquina de café e micro-ondas. O aceso é gratuito.
Notei duas coisas: primeiro, o grande público desse espaço não são empresários; são estudantes, nômades digitais e freelancers esporádicos. É um público que também sente a necessidade de um espaço de trabalho, onde possa sentar com calma, ter uma estrutura de internet e “ver pessoas”. Ao mesmo tempo, pra eles não justifica pagar 500, 600, 1.000 reais ao mês por um espaço de coworking tradicional. Ou seja, é um público que não estava sendo atendido.
Já o mercado, o que ganha com isso? Simples, um fluxo de pessoas extra em um local que estava sem uso. Fora isso, quando você está voltando pra casa, já sabe onde comprar o leite, certo? Na mesma linha, a Tok&Stok também anunciou que vai testar coworking em algumas de suas lojas.
E se você pensa que estou exagerando, que são iniciativas pontuais, está mesmo certo. É tudo muito experimental ainda. Mas se você quiser o exemplo de um mercado que efetivamente abraçou o coworking, aqui vai: bibliotecas. Uma vez símbolo de conhecimento e ponto de encontro de intelectuais, não resistiram à mudança de matriz tecnológica. Hoje as bibliotecas ou fecharam ou são altamente dependentes de financiamento de instituições de ensino e iniciativas do governo. As poucas bibliotecas privadas e independentes que tenho visto sobreviverem, o fazem porque abriram suas portas pra quem precisa de um espaço de trabalho. Agora oferecem café, internet rápida, mesas e até flexibilizaram um pouco a lei do silêncio.
Não é por acaso que hotéis, shoppings, cafés, todos estão se aventurando nesse mercado. Todos perceberam que o mundo mudou, e agora ter esse monte de espaço parado não faz sentido. À medida que as pessoas começam a se sentir mais confortáveis em ambientes compartilhados, e o trabalho remoto segue crescendo, o público de coworking vai se tornando cada vez maior. A minha visão de futuro é clara, e já comentei isso por aqui. Coworking vai ser que nem farmácia, um diferencial claro pra quando você for alugar um imóvel. Tem escola para as crianças, padaria pro café e coworking pra trabalhar. Esse apartamento eu quero!
Então é isso? Vai virar pastel?
Não necessariamente. A gente sempre fala isso por aqui. O seu espaço, lindo e confortável, é apenas um facilitador do coworking. Você não é necessário a menos que cumpra esta função: facilite. Quem souber jogar esse jogo, e entender que existe um público específico para cada estágio do negócio, vai continuar firme, forte e crescendo.
O que todos esses exemplos que citei têm em comum, é que nenhum deles possui o coworking como atividade principal e nunca vão ter. Então vão estar sempre um passo atrás de quem está focado nisso.
Eles ainda estão discutindo sobre mesas e cadeiras, enquanto nós já passamos dessa fase há muito tempo, né?