Há alguns anos percebo um fenômeno incrível: as pessoas estão constantemente eufóricas e na correria, alegando que estão sempre sem tempo. E, mesmo não tendo tempo para ler um livro, estamos sempre com as séries e os memes do momento em dia. Aí eu me pergunto: o que fazíamos antes de ser a geração Netflix mesmo? 

Parece um reino encantado e muito distante, mas eu ainda consigo recordar brevemente de como era a vida antes de tantas facilidades tecnológicas. Aliás, além de fazermos outras coisas que não assistir séries e mais séries, ainda tínhamos que ficar atrás de torrents de filmes, download de legendas e links para baixar as discografias das nossas bandas preferidas – isso, claro, falando de uma época bem recente. E o mais incrível: ainda tínhamos tempo de assistir aos filmes que baixávamos e ouvir na íntegra um álbum. Dá pra acreditar? 

Pela nossa saúde e sanidade, precisamos enxergar os momentos com mais exclusividade e atenção

É claro que eu também tenho conta na Netflix e no Spotify, mas fico um pouco angustiada em como a instantaneidade tem diminuído o significado de algumas coisas. As pessoas não conseguem mais assistir a um filme de duas horas sem ficar conferindo o celular, pois estão tão frenéticas que o máximo que conseguem dedicar é 45 minutos, tempo de um episódio de série. Quase ninguém mais escuta todas as faixas de um CD e as playlists é que comandam o mundo musical. 

A geração Netflix é também a geração ansiedade

Se mudamos a forma de consumir as coisas, talvez seja porque mudamos o nosso comportamento de forma geral, que é cada vez mais acelerado e ansioso. Como todos sabemos, já que não paramos de ver manchetes sobre isso a todo tempo, a ansiedade e a depressão são os males do século. 

Grande parte da origem desse mal psicológico é o excesso de informações, que causa aquela constante sensação de que não vamos dar conta de tudo o que temos que fazer e saber. E, de fato, é muito difícil nos policiarmos para fazer uma coisa por vez e entendermos que a mensagem do Whatsapp não precisa ser respondida no momento exato em que foi recebida. 

Pela nossa saúde e sanidade, precisamos enxergar os momentos com mais exclusividade e atenção. Que tal dedicar a hora do almoço apenas para comer com calma e desfrutar desse momento com a família ou com os colegas de trabalho? Será mesmo que precisamos ficar checando os e-mails ou assistindo a um vídeo no Youtube entre uma garfada e outra?  

Você se lembra que quando você era pequeno sua mãe não te deixava comer na frente da televisão, alegando que isso fazia mal? Pois bem, acredite, as mães sabem das coisas! 

O que fazíamos com o tempo hoje dedicado às séries?

Pense bem, faça um esforço. O que você costumava fazer que hoje não faz mais porque precisa ficar por dentro da última temporada de uma das suas nove séries favoritas?  

Você passeava mais com seu cachorro; você dedicava sua noite para fazer um jantar mais elaborado; você lia bem mais livros do que atualmente; você até assistia ao futebol na TV tomando uma cerveja com os amigos em plena quarta-feira; você marcava happy hours com bem mais frequência; você arriscava tirar umas músicas no violão; você ficava jogado no sofá pensando na vida; você andava de bike ou saía para correr; você passava o domingo na casa dos seus avós; você aproveitava o sábado ensolarado para tomar sorvete no parque; você ía ao cinema em plena terça-feira. 

Agora calcule quanto tempo por semana você fica em frente do notebook fazendo maratonas que vão somando infinitamente episódios de 45 minutos + 42 + 44 + 53 e assim por diante. Pois bem, quem sabe do seu tempo é você, obviamente. Mas escrevo este texto com o intuito de relembrar os velhos tempos em que nossos hábitos eram bem mais variados e sociáveis e, consequentemente, mais saudáveis. 

Na hora em que você recusar um convite porque está sem tempo, ou optar por não ir na academia porque o dia foi muito corrido, lembre-se que um dia já existiu vida além da Netflix e que incrivelmente você dava conta, mesmo fazendo estágio e faculdade todos os dias. 

Lembre-se também que, para a saúde do seu cérebro, você precisa de diferentes estímulos diariamente. Cinema, música, atividades físicas, meditação, leitura, games e palavras-cruzadas são só algumas das infinitas opções que podem fazer bem a um dos órgãos mais importantes do nosso corpo – mas perceba que qualquer dessas atividades também pode fazer mal quando em excesso. 

 

Não há nada igual a capacidade mental humana e, se recebemos esse presente, é quase que uma obrigação desfrutar disso da melhor forma possível. Que tal dar essa chance?  

 

P.S.: eu adoro a Netflix, ok? Acho o preço bem acessível, a variedade de opções bacana e o investimento em produções próprias e de qualidade muito incrível. Minha crítica não é à plataforma, mas sim ao que nós nos tornamos sem nem perceber 😉