Demitir. Essa é uma palavra pesada né? Sempre vem com uma carga negativa de brinde. Ninguém gosta de demitir outra pessoa, menos ainda de ser demitido. A ideia de que você não é mais querido naquele local, que outra pessoa quer cortar as relações com você sempre machuca e é desagradável. Mas faz parte do jogo.
Quando somos funcionários, o medo da demissão está sempre rondando. Não importa quão confiante no seu trabalho você seja, lá no fundinho, sempre rola certa aflição.
Já do outro lado do balcão, como empresário, posso afirmar que demitir um membro do time também é uma das piores experiências do “pacote”. Você está cortando a fonte de renda de uma família, acabando com o planejamento de uma pessoa. Não é algo que possa ser feito com zero sentimento, independentemente da sua experiência de campo. Posso te garantir: todo gestor lembra da primeira demissão.
Agora, tem um tipo de demissão que é diferente. Muita gente nem sabe que ela existe. É demitir um cliente.
Sim, você pode demitir o seu cliente
Pode parecer contraintuitivo, mas existem clientes tão problemáticos que a melhor coisa que você pode fazer é se livrar dele. E existem mil motivos para se demitir um cliente, e cada mercado tem os seus. Às vezes é aquele cliente que sempre “esquece” de fazer o pagamento na data correta. Outras vezes é o cara que assina um contrato e depois pede pra fazer tudo ao contrário.
Mas esses são casos simples de resolver; em geral uma conversa mais energética pode relembrar o cliente do acordado e tudo volta aos eixos. Pra mim, o fator mais importante a que você, gestor de um espaço de coworking, deveria estar atento é ao relacionamento do seu cliente com o resto dos membros e do seu time. Uma fruta podre pode contaminar todo o cesto. Esse é um dos ditados mais antigos e verdadeiros.
Preste atenção nas relações entre coworkers e staff
Algum tempo atrás aqui no Coworking Brasil tivemos um caso desses. Cliente tipicamente arrogante, sabe? Aquela pessoa que em vez de “Oi, tudo bem? Estou tendo um problema e…” começa o e-mail com “VOCÊS PRECISAM RESOLVER ISSO URGENTE…”. Nossa, se quiser me irritar, me mande uma mensagem em caixa-alta. Estamos em 2019, não é possível que você não saiba o significado semântico de escrever em maiúsculo.
Mas até aí tudo bem. It’s business, baby. Não estamos aqui pela amizade (ou estamos?). O indivíduo, no entanto, seguiu sendo estúpido em todas as respostas. Ele tinha um problema real a ser resolvido (quem não tem?), mas, em vez de nos ajudar a resolver, focava toda a energia em dizer como “era uma absurdo” tudo o que estava acontecendo e que nosso time “incompetente” deveria dar prioridade total a resolver o problema urgente que ele tinha (spoiler: não era urgente).
E não para por aí…
O assunto foi escalando e uma hora chegou em mim. O pessoal do suporte me chamou apavorado, pedindo desculpas pelo erro e “quase chorando” depois de um telefonema com o sujeito.
Quando vi o histórico de mensagens, a resposta pro cliente veio de mim e em apenas uma frase: “Fulano, desculpe os transtornos, mas não temos mais interesse em trabalhar com a sua empresa. Um reembolso total foi emitido”. É aquela coisa: quer gritar alto comigo, tudo bem. Mas não desrespeita meu time, né?
Esse, no entanto, também não foi o primeiro caso de cliente demitido pelo qual já passei.
Alguns anos atrás, quando ainda gerenciava o Coletivo, precisei encerrar relações com outra pessoa. Foi muito estranho, porque não existia uma razão direta pra isso. O que eu percebia, e não entendia muito o motivo, era que a pessoa trazia sempre uma nuvem pesada pro ambiente.
Não havia nada pontual, mas estava nos detalhes. Era possível notar que os outros coworkers fechavam o sorriso quando ela estava por perto. Uma hora estavam na copa, se divertindo e tomando café. Dois minutos depois o silêncio reinava e cada um ia pro seu canto.
O primeiro passo é tentar o bate-papo franco
Tentamos conversar com o pessoal mais próximo pra ver se tinha algum problema, mas nunca recebemos uma resposta conclusiva. Conversei diretamente com a pessoa, que também não reportou nada incomum. O tempo foi passando e percebemos que ela começou a ficar cada vez mais isolada. O climão continuava.
Deduzo que foi a decisão correta
O fim do contrato dela estava próximo, e eu optei por não renovar. Foi uma conversa bem estranha e difícil, porque não tinha nada que justificasse a “expulsão” da pessoa. Acabei argumentando que a gente acreditava que ela não estava mais se encaixando no perfil do grupo e que seria melhor para os dois lados se a gente não seguisse para um novo contrato. Claro que a pessoa não gostou, e o cenário ficou desagradável. Os dias entre o aviso de não renovação e o efetivo desligamento dela foram chatos, ela se transformou completamente.
Descobrimos que a pessoa se comportava de uma forma em frente aos gestores e de outra completamente diferente quando a gente não estava presente. O clima melhorou 200% nas semanas seguintes. Então deduzo que foi a decisão correta. Perde-se um cliente, ganha-se um grupo.
Não enrole em uma decisão difícil
Alguns anos depois da história acima, tivemos um segundo incidente que, hoje, vendo do futuro, julgo que foi um dos meus maiores erros na gestão de comunidade do meu espaço.
Existia essa empresa que ocupava várias posições fixas no espaço. Eles eram gente boa, tinham boas relações com todo mundo e traziam uma renda importante pro negócio. Uma dessas pessoas, no entanto, tinha um “problema de personalidade” (talvez um dia eu escreva somente sobre esse tema).
Era um assunto chato e delicado, e eu demorei bastante a tomar uma atitude definitiva, justamente porque o pessoal era bacana, e a gente estava num momento em que aquele faturamento era importante. Não podíamos arriscar uma atitude mais drástica e perder todas as posições de uma vez.
Mas deveríamos.
Toda vez que a gente tinha uma reclamação do “mau comportamento” do sujeito, acabamos dando uma contornada. Primeiro mandamos um e-mail de boa convivência pra lembrar todo mundo, depois afunilamos em conversas mais genéricas com o grupo dele, chegamos a dar algumas indiretas mais ácidas pra pessoa, mas nunca enfrentamos diretamente o problema. Na verdade, eu acho que lidamos de forma bastante infantil e amadora com o caso.
Da mesma forma, meses depois encontrei alguns coworkers que deixaram o espaço e comentaram que um dos motivos principais era o colega. Sabe-se lá quantas pessoas fizeram tour enquanto ele era residente, também se assustaram e decidiram não fechar contrato com a gente.
Eu acabei deixando a empresa um tempo depois e não sei como essa história terminou. Mas ainda hoje me arrependo de ter me colocado em uma posição onde um cliente estava prejudicando a comunidade, mas eu não podia demiti-lo.
Quanto mais cedo você resolver o problema, melhor
Por favor, não caia nesse erro. Nunca permita que um cliente do seu espaço assuma uma posição de relevância a ponto de pensar que pode “fugir das regras”. Às vezes isso acontece sem querer, com os clientes “da casa”, aqueles que estão com você faz anos ou os que têm laços de amizade mais fortes. Outras vezes é previsível que vai acontecer, igual ao meu caso, em que uma empresa representa uma parcela muito relevante do seu faturamento.
O seu coworker sabe quando ele é tratado de forma diferenciada e pode se aproveitar disso. Os demais também percebem e podem não gostar. Valorizar quem acreditou em você no início é uma coisa, permitir que prejudique a boa convivência do seu espaço é outra completamente diferente.
E, se acontecer, não pense duas vezes. Demita seu cliente já.